Entenda se o custo de uma obra é do condomínio ou se deve ser rateado entre moradores.
A presente análise se originou de uma consulta realizada por um condomínio residencial situado no município de São José dos Campos. O contexto da consulta parte do fato de que o condomínio possui 64 unidades autônomas (apartamentos), cada um vinculado a uma vaga de estacionamento de uso privativo, sendo todas as vagas descobertas e localizadas no piso térreo.
I. Contextualização
Iniciado entre os condôminos o debate sobre a cobertura das vagas de estacionamento, surgiram pessoas contrárias à cobertura da totalidade das vagas por parte do condomínio, com rateio entre todos os condôminos, argumentando que cada condômino deveria decidir sobre a cobertura da própria vaga, arcando com o respectivo custo e isentando aqueles que, por serem contrários, optassem pela não cobertura, com fundamento no direito de propriedade, tendo em vista que cada vaga está atrelada a um apartamento com direito exclusivo de uso.
Assim, a consulta possuiu como objeto a análise jurídica sobre (i) a possibilidade de os condôminos deliberarem a construção de cobertura sobre todas as vagas de estacionamento, inclusive aquelas que são de direito privativo de uso de condôminos contrários à proposta, (ii) o quórum necessário para a aprovação da matéria, e (iii) a possibilidade de custeio da obra pelo próprio condomínio, com rateio das despesas entre todos os condôminos.

Inicialmente, faz-se necessário expressar o princípio jurídico de que nenhum direito é absoluto, de modo que o direito de uso de determinado espaço que integre um condomínio também se sujeita à possibilidade de ser regulamentado, ainda que seja um direito de uso privativo.
A título exemplificativo, é comum que os condomínios edilícios, em sua convenção, prevejam restrições ao uso das unidades autônomas, ainda que sejam ambientes domésticos, familiares, íntimos e de uso privativo, impondo limites ao gozo do direito de propriedade.
Dentre essas costumeiras restrições, podemos citar a vedação dentro das unidades autônomas, da prática de atividades ruidosas que possam perturbar os demais condôminos (fazendo prevalecer o direito coletivo ao sossego), a proibição de que sejam estendidas(os) roupas, tapetes e demais objetos nas janelas ou outros locais exteriores que sejam visíveis, impedimento da alteração da forma e cor da fachada ou das esquadrias e demais partes externas (fazendo prevalecer o interesse coletivo da uniformidade estética), dentre outros.
A previsão de limitações ao uso das unidades autônomas, desde que razoáveis, como as já citadas, e previstas na convenção condominial, não suprimem o direito constitucional de propriedade nem retiram o caráter particular dos apartamentos, tampouco o direito de uso privativo dos seus respectivos moradores, existindo exclusivamente para garantir uma padronização mínima que possibilite o convívio coletivo e o interesse geral dos condôminos, imprescindível em um condomínio residencial.
Igual raciocínio se aplica às vagas de estacionamentos. Ao mesmo tempo em que os moradores de cada unidade autônoma possuem o direito de uso privativo de determinada vaga, sujeitam-se às limitações de uso criadas para resguardar o interesse coletivo, tais como a proibição de uso da vaga de estacionamento para a execução de serviços (montagem de móveis, pinturas etc.) ou para o armazenamento de objetos.
II. Sobre as vagas de garagem
Especificamente com relação às vagas de garagem, impõe-se uma atenção especial pelo fato de que, embora sejam de uso privativo, localizam-se em uma área externa à unidade autônoma, compondo um ambiente comum do condomínio, denominado como garagem coletiva, ou, simplesmente, como estacionamento, tornando-se mais suscetíveis às regulações que visem resguardar o interesse coletivo.
Contextualizada a possibilidade de regulamentação do condomínio sobre as áreas de uso privativo, desde que razoáveis e adequadas à necessidade de atender, sempre que possível, o interesse coletivo que está intrinsecamente ligado à vida condominial, passamos à análise detalhada dos itens consultados.
III. Benfeitorias
As obras realizadas em condomínio edilício já instalado e habitado se conceituam como “benfeitorias”, podendo as benfeitorias serem necessárias, úteis ou voluptuárias, conforme os incisos do art. 96 do Código Civil. As benfeitorias necessárias são aquelas que têm como objetivo conservar o bem ou evitar que se deteriore (ex. reparar um vazamento de água), as voluptuárias são as de mero capricho e que não aumentam ou melhoram o uso habitual do bem, ainda que o torne mais agradável (ex. a instalação de adornos como fontes, paisagismos etc.), e as úteis são as que aumentam ou facilitam o uso do bem, garantindo um benefício à sua utilização habitual.
Nas definições de benfeitorias estabelecidas no Código Civil, e reproduzidas no parágrafo anterior, a cobertura de vagas de estacionamento se caracteriza benfeitoria útil, pois, apesar de não se tratar de medida emergencial para evitar a deterioração estrutural do condomínio, atribui uma vantagem aos condôminos na utilização das suas respectivas vagas, garantindo maior proteção aos veículos estacionados contra a exposição ao sol, tempestades etc.
Ato contínuo, o art. 1.341, II, do Código Civil, determina que a realização de obras úteis no condomínio depende de voto da maioria dos condôminos, portanto, deve ser esse o quórum considerado para deliberação na Assembleia Geral.
O entendimento de que o quórum de maioria simples é o necessário para a aprovação da execução de benfeitorias úteis, como na hipótese de cobertura de vagas de estacionamento, também prevalece de forma majoritária no Tribunal de Justiça de São Paulo, conforme o precedente exemplificativo:
Apelação. Ação declaratória de nulidade assembleia condomínio. Instalação de cobertura das vagas de garagem. Art. 1.341 do Código Civil. Maioria simples – A instalação de cobertura de vaga de garagem configura benfeitoria útil art. 1.341 do Código Civil, exigência de maioria simples; – Ausência de ilegalidade na aprovação. Recurso improvido.(TJSP; Apelação Cível nº 1017916-97.2018.8.26.0196; Relatora: Maria Lúcia Pizzotti; Data do julgamento: 02/06/2020).
IV. A deliberação
Ademais, é possível que o condomínio delibere sobre a cobertura sobre todas as vagas de estacionamento ou apenas sobre as vagas dos condôminos que concordarem com a proposta, questão essa que é de caráter interno do condomínio e que deve ser resolvida pelos próprios condôminos através de votação em Assembleia Geral.
A possibilidade de deliberação sobre a cobertura de todas as vagas de garagem decorre da busca pela padronização estética, já que o conjunto de vagas de uso privativas forma uma garagem coletiva e de circulação comum, da valorização das unidades autônomas de forma geral e da efetiva proteção de todos os veículos estacionados (uma vaga não coberta inviabilizaria a proteção das vagas cobertas com as quais faz divisa, proporcionando a incidência de luz solar e de chuvas laterais, tornando pouco efetiva a cobertura individual), ou seja, decorre do interesse coletivo, como ratifica o Tribunal de Justiça de São Paulo:
Obrigação de não fazer – Condomínio – Assembleia realizada para instalação de cobertura das vagas de garagem – Aprovação que depende do voto da maioria simples – Art. 1.341, II, do Código Civil – Oposição de condômino sob fundamento de que a obra lhe trará prejuízos decorrentes da falta luminosidade e ventilação em sua unidade – Descabimento – Interesse coletivo na espécie que deve prevalecer – Sentença de improcedência da ação mantida – Honorários de sucumbência majorados nos termos do art. 85, §11º, do CPC – Recurso improvido. (TJSP; Apelação Cível nº 1018303-52.2019.8.26.0625; Relatora: Lígia Araújo Bisogni; Data do julgamento: 29/01/2021).
Nesse sentido, sendo aprovada em Assembleia Geral a cobertura de todas as vagas, como uma benfeitoria útil que visa o interesse coletivo, a deliberação será obrigatória para todos os condôminos, independentemente do seu comparecimento ou do seu voto, cabendo ao síndico fazer com que a deliberação seja cumprida.
No mais, considerando que a cobertura de todas as vagas de garagem gerará benefício ao condomínio, de forma geral, e a cada condômino individualmente, tendo em vista que cada unidade autônoma possui o direito exclusivo de uso de uma vaga no térreo, é perfeitamente possível que as obras sejam contratadas e custeadas pelo condomínio, com rateio dos custos entre todos os condôminos que serão igualmente beneficiados, sendo imprescindível considerar que a eventual discordância de algum condômino não o isenta do pagamento das quotas condominiais que lhe cabem, sendo a cobrança plenamente possível mediante a aprovação na Assembleia Geral.
V. Jurisprudência
Sobre o tema, é pacífico o entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, firmado em julgamento de casos em que moradores discordantes do rateio dos custos de cobertura das vagas questionaram judicialmente a cobrança e não tiveram êxito, sendo declarada a legalidade das cobranças, como demonstram os precedentes a seguir.
Condomínio. Ação de cobrança de despesas. Procedência. Apelantes que se insurgem contra o rateio do custo da obra de cobertura das vagas de garagem. Benfeitoria de natureza útil (art. 96, § 2º, do CC), aprovada pela maioria dos condôminos presentes na Assembleia Geral Ordinária, em segunda convocação. Conformidade com as regras dispostas na convenção do condomínio. Discordância dos recorrentes que não os isentam do pagamento das quotas condominiais que lhes tocam. Despesas plenamente exigíveis. Irregularidades apontadas da obra que devem ser solucionadas na seara administrativa, não interferindo na obrigação de rateio das despesas condominiais. Recurso desprovido, com observação. A obra de cobertura das vagas de garagem foi aprovada em Assembleia Geral Ordinária, observadas as regras da convenção de condomínio, obrigando, de tal modo, todos os condôminos, inclusive a minoria discordante. Por outro lado, não se vislumbra nas fotografias reproduzidas à fl. 111 qualquer elemento acrescentado na execução da obra apto a modificar a estrutura arquitetônica do empreendimento em prejuízo dos moradores. Pelo contrário, verifica-se que as estruturas agregadas estão alinhadas esteticamente com a construção, tratando-se, na verdade, de benfeitora acrescentada ao imóvel em benefício dos usuários, de natureza útil, a teor do art. 96, § 2º, do Código Civil. Assim, havendo aprovação regular da obra, com a consequente implementação, vinculando a integralidade dos condôminos e, à míngua de fundamentação relevante a justificar a isenção dos apelantes ao pagamento das quotas que lhes tocam, a manutenção da condenação é medida que se impõe.
(TJSP; Apelação Cível nº 1003988-07.2016.8.26.0566; Relator: Kioitsi Chicuta; Data do julgamento: 19/04/2018).
Despesas condominiais – Embargos à execução – Apelante que se insurge contra o rateio do custo da obra de cobertura das vagas de garagem – Benfeitoria de natureza útil (Art. 96, § 2º, do CC), aprovada pela maioria dos condôminos presentes na Assembleia – Despesas plenamente exigíveis de todos os condôminos – Sentença mantida – Recurso não provido. Havendo aprovação regular da obra de construção de cobertura para as vagas de garagem, com a consequente implementação, vinculando a integralidade dos condôminos e, à míngua de fundamentação relevante a justificar a isenção do apelante ao pagamento das quotas que lhe tocam, de rigor a rejeição dos embargos.
(TJSP; Apelação Cível nº 1026624-26.2019.8.26.0577; Relator: Paulo Ayrosa; Data do Julgamento: 21/07/2020).
Diante da fundamentação exposta acima, abordando-se o tema objeto da consulta com base nas disposições legais, nas regras condominiais e nos entendimentos firmados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, e não havendo informação de particularidades que poderiam configurar justa causa para qualquer interpretação contrária, conclui-se que (i) o condomínio pode deliberar a construção de cobertura em todas as vagas de estacionamento, (ii) a deliberação deve ocorrer com o voto da maioria simples dos condôminos, em Assembleia Geral, e vinculará a integralidade dos condôminos, inclusive aqueles que discordarem da proposta, e (iii) os custos da construção da cobertura podem ser pagos pelo condomínio e rateados entre todos os condôminos, sendo a cobrança exigível na mesma medida da taxa condominial ordinária.